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Neste texto sumário, volto ao passado para evidenciar a presença dos imigrantes estrangeiros no Recife.
Retrospectiva: a presença dos imigrantes estrangeiros no Recife
A partir de meados do século XIX, a Europa e a Ásia estavam inseridas no contexto dos grandes processos emigratórios, resultantes das transformações sociodemográficas da população, das mudanças provocadas pela expansão do capitalismo e das mudanças políticas. A transição demográfica, em curso desde o século XVIII, impossibilitou que esses continentes absorvessem os excedentes populacionais, conduzindo-os às emigrações oceânicas. Contribuíram para isso, o desenvolvimento das comunicações e a redução dos custos dos transportes (Klein, 1989; Bassanezi, 1996).
No contexto brasileiro, a situação de abundância de terras incultas, a existência de mercado de trabalho mais acessível, a expansão do capitalismo e de seu fortalecimento, e outras situações conjunturais, marcaram o Brasil como receptor de imigrantes. Entre os anos de 1890 e 1930, ingressaram mais de 3,5 milhões de estrangeiros no país, entre europeus, asiáticos e árabes. O Brasil estava plenamente inserido no cenário imigratório mundial de massa, pareando com os Estados Unidos e a Argentina, apontado como o terceiro receptor de imigrantes da América (Bassanezi, 1996).
Pernambuco, diferentemente de outros estados brasileiros, não foi escolhido de forma maciça pela imigração europeia, asiática e árabe que ocorreu a partir do final do século XIX. Habitualmente, a escolha recaía em estados como São Paulo, que se destacou ao concentrar a maioria de todos os estrangeiros residentes no país.
Entretanto, os censos históricos de 1872, 1890, 1900 e 1940 apontam que Pernambuco foi o segundo estado do Nordeste a receber um número significativo de imigrantes estrangeiros; o primeiro foi o estado da Bahia. Já o censo de 1920 estimou uma população estrangeira maior em Pernambuco; Recife concentrava 86,7% dos 11.698 residentes em todo o estado, provenientes, em grande parte, de uma imigração espontânea, ou seja, custeada pelo próprio imigrante.
Ao longo da sua história, o Recife aglutinou imigrantes das mais diferentes nacionalidades, que contribuíram para as composições da população e da cultura recifense. Esse “mosaico de múltiplas nacionalidades” (Hirano e Carneiro, 2016) começou a ser formado no período colonial com as presenças portuguesa e holandesa e a partir da abertura dos portos; à base lusitana começaram a ser agregados novos elementos trazidos pelos estrangeiros (Diegues Junior, 1964).
Os ingleses chegaram ao Recife a partir da Abertura dos Portos, em 1808, tornando-se uma colônia bastante expressiva entre a população local. O Recife é uma das poucas cidades brasileiras a ter um cemitério britânico, originalmente denominado British Cemetery. Ele foi doado por D. João VI ao Cônsul Inglês após a Abertura dos Portos. Em 1838, os ingleses ergueram a Holy Trinity Church, popularmente conhecida como "igrejinha dos ingleses", demolida em 1946, pela necessidade de alargamento da rua, passando a funcionar em outro local. São diversas as edificações realizadas pelos ingleses no decorrer do século XIX até as primeiras décadas do século XX (Vainsencher, 2009; Tavares, Colvero, 2015).
Além das edificações, os ingleses foram os pioneiros na exploração dos serviços públicos como o estabelecimento bancário, hidráulica para refinamento do açúcar (Vainsencher, 2009), introdução do primeiro trem urbano do Brasil, a maxabomba, pequena locomotiva a vapor com três vagões de passageiros, entre outros serviços essenciais que estiveram entregues a empresas inglesas (Duarte, 2005).
No início do século XIX, o Recife possuía um Consulado Geral dos Estados Unidos, estabelecido em 1815, considerado o posto de representação diplomático americano mais antigo do Brasil. Ainda no século XIX, em 4 de abril de 1886, missionários norte-americanos fundaram a primeira Igreja Batista do Recife, inicialmente intitulada Egreja de Christo. Ela é considerada o sexto templo batista organizado no Brasil (Silva, 2003).
Os missionários batista norte-americanos foram também os responsáveis pela fundação do primeiro Colégio Batista do Recife, que começou a partir do trabalho dos Doutores William Henry Canadá e Salomão Luiz Ginsburg (Silva, 2012). A primeira aula foi ministrada no ano de 1902, em um casebre junto à Igreja Batista, com a presença de quinze alunos. Em 15 de janeiro de 1906, os missionários inauguraram o Colégio Americano Gilreath, posteriormente denominado Colégio Americano Batista, em 1916.
Foi nesse Colégio que o sociólogo Gilberto Freyre iniciou e concluiu seus estudos entre o período de 1908 e 1917. Seu pai, Dr. Alfredo Freyre, além de atuar como professor (1907-1934), contribuiu usando de sua influência para elevar o nome do Colégio perante a sociedade recifense (Silva, 2012). O Colégio Americano Batista ainda permanece aberto com ensino de qualidade.
Outro evento marcante, ocorreu na ocasião da Segunda Guerra Mundial, precisamente entre o período de 1941 e o início de 1944, quando o Recife foi escolhido como sede para uma base naval da U. S. Navy, aumentando consideravelmente a presença de norte-americanos na cidade. Dois espaços de lazer e entretenimento, onde eram permitidos a frequência da população local, foram instalados durante a permanência das tropas americanas: o U. S. O Club, situado no prédio do Cassino Americano, atual bairro do Pina; e o U. S. O. Town Club, localizado na antiga av. 10 de novembro, atual rua do Sol (Siqueira, 2020).
Em 1840, a sociedade recifense já sentia a influência francesa na moda, na literatura, na culinária, o estilo francês era o preferido da sociedade. Nesta época, estavam em andamento projetos de modernização da infraestrutura urbana, empreendidos pelo presidente da província, Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista, que contou com os serviços do engenheiro Louis-Léger Vauthier e seus técnicos. Em parceria com outros engenheiros, Vauthier foi responsável por diversos projetos de estradas e edifícios, inclusive o do Teatro Santa Isabel, construído sob os moldes da arquitetura neoclássica (Poncioni, 2010).
Outro traço francês na arquitetura é o da construção do Hospital Pedro II, edificado segundo o modelo desenvolvido pelo médico Jacques-René Tenon, em estilo pavilhonar (Pereira, 2011). A influência francesa no Recife, aliada ao desejo da modernidade, marcou fortemente as primeiras décadas do século XX no que se refere à alimentação. A sociedade vivia uma espécie de "belle époque" local da gastronomia (Toscano, 2013). Os franceses enfrentaram dura competição com os ingleses na disputa internacional de mercados. Suas marcas mais profundas foram deixadas na vida intelectual; a França funcionava como “irradiadora de uma revolução bibliográfica” (Mota, p. 47, 1970).
A presença de uma comunidade alemã no Recife pode ser notada a partir das primeiras décadas do século XIX com a instalação do Consulado Prussiano, oficialmente substituído pelo Consulado Alemão em meados do mesmo século. Segundo Gilberto Freyre (1987), a presença alemã em Pernambuco era fortemente percebida tanto no comércio, nas artes e nas indústrias, quanto no desenvolvimento de experimentos agrários, seus produtos faziam concorrência com os produtos ingleses e franceses. Os alemães se concentraram entre as cidades do Recife e da área industrial de Paulista.
No início do século XX, os alemães residentes no Recife já possuíam empresas economicamente bem estabelecidas, muitos fizeram fortunas como negociantes e tiveram papel de relevo nas artes. Um exemplo significante é o do arquiteto alemão, naturalizado brasileiro, Heinrich Moser, que chegou ao Recife em 1910. Ele veio a convite de sua tia Júlia Doederlein, conhecida como Madame Júlia, trabalhar na reforma arquitetônica de um prédio de sua propriedade: a Casa Alemã, luxuoso comércio situado à Rua Barão da Vitória, atualmente Rua Nova. Moser difundiu no Recife a cultura dos vitrais em prédios públicos. Entre eles, destaca-se o grandioso vitral triplo confeccionado para o Palácio da Justiça. Moser foi pioneiro no Nordeste na produção de vitrais (Lócio, 2018).
Além da presença no comércio, na indústria e nas artes, os germânicos contribuíram para os campos da saúde e da educação. O Abade Beneditino Dom Pedro Roeser foi o principal ativista na criação do Hospital do Centenário, inaugurado em 3 de maio de 1925, local que serviu de base para a institucionalização da enfermagem como profissão no Recife. Dom Pedro Roeser trouxe da Alemanha onze enfermeiras diplomadas, integrantes da Cruz Vermelha Alemã, para atuar na implantação de um serviço de enfermagem considerado, na época, de alto-padrão. Além disso, Roeser atuou na criação da Primeira Escola de Agricultura e Veterinária do Brasil, hoje sob o nome de Universidade Federal Rural de Pernambuco (Abrão et al, 2010).
A emigração portuguesa para o Recife revestiu-se de características peculiares. Foi uma emigração precoce, remonta ao período colonial, que se prolongou até a primeira década de 1960; a partir daí, há redução considerável de seu fluxo. Durante um longo período, os lusitanos foram o maior contingente espontâneo imigrado no Estado de Pernambuco, e o mais significativo contingente estrangeiro entrado no Recife (Ferraz, 2014; Câmara, 2012).
Os portugueses estavam inseridos em todos os ramos da economia recifense e ocupavam serviços diversos, mas foram proeminentes no comércio de fazendas, casas de secos e molhados e outros estabelecimentos varejistas, destacando-se na atividade de caixeiragem no comércio de grosso e pequeno trato. Tal proeminência dos negociantes lusitanos na praça comercial do Recife gerou incômodo entre eles e os negociantes nacionais, provocando conflitos com teor antilusitano. Episódios de lusofobia também ocorreram entre militares que questionavam os desmandos dos oficiais portugueses. Esses episódios marcaram a presença dos portugueses em Pernambuco até os anos de 1930 (Ferraz, 2014; Câmara, 2012).
Paralelo ao movimento antilusitano, a comunidade portuguesa do Recife consolidou sua influência econômica e política na sociedade. As redes de solidariedade foram sedimentadas por intermédio das entidades étnicas que funcionavam como meio de sociabilidade entre os imigrantes, reforço da identidade cultural e social, além de proporcionar caráter associativo ao grupo. Entre elas, destacam-se o Gabinete Português de Leitura de Pernambuco (fundado em 1850), o Clube Almirante Barroso (fundado em 1909) e o Clube Português do Recife (fundado em 1934). Os portugueses exerceram influências na língua, música e arquitetura (Ferraz, 2014; Câmara, 2012), e foram grandes empreendedores (Mendonça, 2010).
Segundo o levantamento sobre o patrimônio de influência portuguesa realizado pela Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa-PT), a cidade do Recife é detentora de um dos maiores patrimônios lusitanos do país. Ao todo são dezenove edificações nas arquiteturas religiosa, militar e habitacional. Recife é a terceira capital brasileira em quantidade de exemplares do urbanismo ultramarino português (Diário de Pernambuco, 06/05/2017).
Antes da grande migração judaica ocorrida no século XVII, “cristãos novos hispano-portugueses” já habitavam em solo pernambucano. Segundo o pesquisador Odmar Braga, entre 1580 e 1595 havia duas sinagogas situadas respectivamente no Alto da Ribeira e no Engenho Camaragibe, propriedades da mesma família (Pascoal, s/d).
No século XVII, judeus, oriundos da Península Ibérica, perseguidos pela inquisição chegaram ao Recife. Portugal investiu na distribuição de terras para garantir a posse territorial. Para adquirir o direito à terra, os judeus tiveram que se converter, tornando-se cristãos novos (Pascoal, s/d).
O grande fluxo migratório ocorreu simultaneamente à dominação holandesa, entre os anos de 1630 e 1654. Neste período, os judeus, chamados de sefarditas, assumiram sua identidade religiosa, uma vez que a Holanda, um país calvinista, defendia matizes religiosas diversas. Sob a proteção do governo de João Maurício de Nassau-Siegen, os judeus formaram uma comunidade próspera. Estima-se que havia entre 1.500 e 5.000 pessoas (Pascoal, s/d; Kaufman, 2000; Lurdermir, 2005).
No período da ocupação holandesa ocorreu a construção da primeira Sinagoga das Américas, Kahal Zur Israel, iniciada em 1638 e concluída em 1641, situada à rua do Bom Jesus, bairro do Recife. Na época, conhecida como rua do Bode – Bokestraet (BRASILIANA FOTOGRÁFICA).
Com a saída do governador Maurício de Nassau, que culminou com a expulsão dos holandeses em 1654, a população judaica evadiu-se, e a rua recebeu a denominação de rua da Cruz. Somente em 1870, ela passou a ser chamada de rua do Bom Jesus. Vale ressaltar que esta rua figurou na reportagem intitulada “31 of the most beautiful streets in the world”, de autoria de Nick Mafi, publicada na revista norte-americana Architectural Digest, 26 de novembro de 2019, como a terceira mais bonita do mundo, única brasileira da lista (BRASILIANA FOTOGRÁFICA).
No início do século XX, outra comunidade judaica se estabeleceu no Recife, escolhendo o bairro da Boa Vista para fixar residência, vizinho aos ingleses ali já residentes. O Recife recebeu judeus de origens russa, ucraniana, romena, eslava, entre outras, que partilhavam o idioma, a culinária, as celebrações religiosas, evidenciando a identidade cultural do grupo (Kaufman, 2000; Lurdermir, 2004, 2005).
Desde o início do século XIX, os imigrantes italianos já circulavam entre a população recifense. Uns migraram junto às companhias líricas, que apresentavam peças teatrais, óperas, recitais de músicas, enfim, diversos tipos de espetáculos; outros como engenheiros, arquitetos e artistas, que contribuíram para remodelação dos espaços urbanos do Recife. A maior parte migrou com pouco capital e, como o passar do tempo, ascendeu financeiramente. No final do século XIX, em função dos diversos melhoramentos como a modernização do Porto do Recife, o crescimento urbano, a expansão das iniciativas privadas no comércio, na indústria e outras demandas, a entrada de imigrantes italianos aumentou consideravelmente (Andrade, 1992).
A colônia italiana contribuiu para o ramo do comércio, sobretudo alfaiataria, sapataria, produtos alimentícios, artefatos decorativos e tinturaria, e substancialmente para o desenvolvimento industrial do estado, alcançando notoriedade na década de 1920. Em 1920, por exemplo, o italiano Giuseppe Francesco Conte fundou a Indústria Metalúrgica Pernambucana, atualmente denominada Alumínio IPAM Indústria e Comércio, que empregou um número razoável de oriundi. Nesse mesmo ano, a fábrica de refrigerantes Fratelli Vita, estabelecida no Recife desde 1913, prosperou e foi transferida para um prédio amplo situado na Praça da Soledade (Andrade, 1992; Albuquerque, 2017).
Dada a importância do seu porto e prosperidade da indústria, em setembro de 1921, foi instaurada no Recife a Câmara Italiana de Comércio para todo o Norte e Nordeste, que tinha como objetivo o intercâmbio de mercadorias, pessoas e ideias. Além de ser responsável pela união da comunidade italiana, especialmente em Pernambuco, sua função era tutelar e promover o desenvolvimento das relações comerciais entre Brasil e Itália.
Os imigrantes italianos no Recife tiveram o privilégio de ter uma agência do Banque Française et Italienne. Ela era presidida por Tommaso Febaro, e contava com a presidência honorária do Cônsul italiano Bruno Zuculin. No Norte-Nordeste do Brasil, o Banque possuía filiais somente no Recife e em Salvador (Andrade, 1992; Albuquerque, 2017).
O historiador Vittorio Cappelli afirma que, “do ponto de vista quantitativo, a presença italiana no Recife é a mais consistente de todo o Nordeste” (CAPPELLI, 2007, p. 21).
A presença espanhola em terras recifenses data dos primórdios da colonização. Ainda pouco se sabe a respeito desta imigração. Em 1920, o Recenseamento registrou que no estado de Pernambuco havia 1.014 espanhóis (IBGE). Martinez (2000, p. 248), em seus estudos sobre a emigração espanhola para o Brasil, apontou que no ano de 1931 residiam no Recife 476 espanhóis, sendo 70% galegos, 5% catalães, 5% andaluzes, 5% castelhanos velhos e 10% de diferentes regiões. Segundo a autora, o Consulado mantinha, nessa época, uma Caja de Ahorros (poupança).
Os imigrantes provenientes do Oriente Médio começaram a chegar ao Recife no início do século XX, vindos da Palestina, Síria e Líbano. As atividades comerciais e a pequena indústria eram suas principais ocupações profissionais. Esses imigrantes fixaram moradia e abriram comércios no bairro de São José, ocupando várias ruas deste bairro. No final da década de 1930, ou início da década de 1940, foi fundado o Esporte Clube do Oriente que, além de ponto de encontro social, formou times de futebol e volibol. Ainda na primeira década de 1940, a comunidade libanesa fundou o Clube Líbano Brasileiro, que durante os primeiros anos de atividades funcionou no bairro de Casa Amarela. Sua nova sede foi inaugurada no final da década de 1950, no bairro do Pina, passando a ser o local de sociabilidade não somente dos sírios e libaneses, mas da comunidade árabe do Recife. O Recife abriga a segunda maior comunidade palestina (e seus descendentes) do Brasil (Hazin, 2016).
Os pioneiros da imigração japonesa no Recife foram Asanobuske Gemba e seu filho Matsuichi, que chegaram em 1918. Eles fixaram residência no bairro do Cordeiro e começaram a cultivar verduras. Na década de 1930, outros japoneses começaram a se radicar no Recife. Hoje o estado de Pernambuco tem a terceira maior comunidade nipônica do país, concentrada no Recife, em Bonito e em Petrolina (Portal Nippo Brasil, s/data).
Os imigrantes chineses começaram a chegar ao Recife no início da década de 1920. Estabeleceram-se no centro da cidade em atividades de lavanderias, mercearias e na fabricação de mosqueiros. Em 1936, a comunidade chinesa era constituída por 103 homens, a maioria solteiro e vivendo em companhia de mulheres brasileiras (Diário de Pernambuco, 12/02/1936). Segundo a reportagem do jornal Diário de Pernambuco (1936), “as mulheres não [deixavam] seu país com facilidade”. A colônia chinesa começou a avolumar-se a partir dos anos de 1970.
Embora em menor escala, imigrantes de outras nacionalidades como suíços, escoceses, gregos, dinamarqueses, russos, belgas também contribuíram para a composição do que hoje pode-se chamar “Recife: uma sociedade plural”.
Referências bibliográficas
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Pernambuco, diferentemente de outros estados brasileiros, não foi escolhido de forma maciça pela imigração europeia, asiática e árabe que ocorreu a partir do final do século XIX. Habitualmente, a escolha recaía em estados como São Paulo, que se destacou ao concentrar a maioria de todos os estrangeiros residentes no país.
Entretanto, os censos históricos de 1872, 1890, 1900 e 1940 apontam que Pernambuco foi o segundo estado do Nordeste a receber um número significativo de imigrantes estrangeiros; o primeiro foi o estado da Bahia. Já o censo de 1920 estimou uma população estrangeira maior em Pernambuco; Recife concentrava 86,7% dos 11.698 residentes em todo o estado, provenientes, em grande parte, de uma imigração espontânea, ou seja, custeada pelo próprio imigrante.
Ao longo da sua história, o Recife aglutinou imigrantes das mais diferentes nacionalidades, que contribuíram para as composições da população e da cultura recifense. Esse “mosaico de múltiplas nacionalidades” (Hirano e Carneiro, 2016) começou a ser formado no período colonial com as presenças portuguesa e holandesa e a partir da abertura dos portos; à base lusitana começaram a ser agregados novos elementos trazidos pelos estrangeiros (Diegues Junior, 1964).
Os ingleses chegaram ao Recife a partir da Abertura dos Portos, em 1808, tornando-se uma colônia bastante expressiva entre a população local. O Recife é uma das poucas cidades brasileiras a ter um cemitério britânico, originalmente denominado British Cemetery. Ele foi doado por D. João VI ao Cônsul Inglês após a Abertura dos Portos. Em 1838, os ingleses ergueram a Holy Trinity Church, popularmente conhecida como "igrejinha dos ingleses", demolida em 1946, pela necessidade de alargamento da rua, passando a funcionar em outro local. São diversas as edificações realizadas pelos ingleses no decorrer do século XIX até as primeiras décadas do século XX (Vainsencher, 2009; Tavares, Colvero, 2015).
Além das edificações, os ingleses foram os pioneiros na exploração dos serviços públicos como o estabelecimento bancário, hidráulica para refinamento do açúcar (Vainsencher, 2009), introdução do primeiro trem urbano do Brasil, a maxabomba, pequena locomotiva a vapor com três vagões de passageiros, entre outros serviços essenciais que estiveram entregues a empresas inglesas (Duarte, 2005).
No início do século XIX, o Recife possuía um Consulado Geral dos Estados Unidos, estabelecido em 1815, considerado o posto de representação diplomático americano mais antigo do Brasil. Ainda no século XIX, em 4 de abril de 1886, missionários norte-americanos fundaram a primeira Igreja Batista do Recife, inicialmente intitulada Egreja de Christo. Ela é considerada o sexto templo batista organizado no Brasil (Silva, 2003).
Os missionários batista norte-americanos foram também os responsáveis pela fundação do primeiro Colégio Batista do Recife, que começou a partir do trabalho dos Doutores William Henry Canadá e Salomão Luiz Ginsburg (Silva, 2012). A primeira aula foi ministrada no ano de 1902, em um casebre junto à Igreja Batista, com a presença de quinze alunos. Em 15 de janeiro de 1906, os missionários inauguraram o Colégio Americano Gilreath, posteriormente denominado Colégio Americano Batista, em 1916.
Foi nesse Colégio que o sociólogo Gilberto Freyre iniciou e concluiu seus estudos entre o período de 1908 e 1917. Seu pai, Dr. Alfredo Freyre, além de atuar como professor (1907-1934), contribuiu usando de sua influência para elevar o nome do Colégio perante a sociedade recifense (Silva, 2012). O Colégio Americano Batista ainda permanece aberto com ensino de qualidade.
Outro evento marcante, ocorreu na ocasião da Segunda Guerra Mundial, precisamente entre o período de 1941 e o início de 1944, quando o Recife foi escolhido como sede para uma base naval da U. S. Navy, aumentando consideravelmente a presença de norte-americanos na cidade. Dois espaços de lazer e entretenimento, onde eram permitidos a frequência da população local, foram instalados durante a permanência das tropas americanas: o U. S. O Club, situado no prédio do Cassino Americano, atual bairro do Pina; e o U. S. O. Town Club, localizado na antiga av. 10 de novembro, atual rua do Sol (Siqueira, 2020).
Em 1840, a sociedade recifense já sentia a influência francesa na moda, na literatura, na culinária, o estilo francês era o preferido da sociedade. Nesta época, estavam em andamento projetos de modernização da infraestrutura urbana, empreendidos pelo presidente da província, Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista, que contou com os serviços do engenheiro Louis-Léger Vauthier e seus técnicos. Em parceria com outros engenheiros, Vauthier foi responsável por diversos projetos de estradas e edifícios, inclusive o do Teatro Santa Isabel, construído sob os moldes da arquitetura neoclássica (Poncioni, 2010).
Outro traço francês na arquitetura é o da construção do Hospital Pedro II, edificado segundo o modelo desenvolvido pelo médico Jacques-René Tenon, em estilo pavilhonar (Pereira, 2011). A influência francesa no Recife, aliada ao desejo da modernidade, marcou fortemente as primeiras décadas do século XX no que se refere à alimentação. A sociedade vivia uma espécie de "belle époque" local da gastronomia (Toscano, 2013). Os franceses enfrentaram dura competição com os ingleses na disputa internacional de mercados. Suas marcas mais profundas foram deixadas na vida intelectual; a França funcionava como “irradiadora de uma revolução bibliográfica” (Mota, p. 47, 1970).
A presença de uma comunidade alemã no Recife pode ser notada a partir das primeiras décadas do século XIX com a instalação do Consulado Prussiano, oficialmente substituído pelo Consulado Alemão em meados do mesmo século. Segundo Gilberto Freyre (1987), a presença alemã em Pernambuco era fortemente percebida tanto no comércio, nas artes e nas indústrias, quanto no desenvolvimento de experimentos agrários, seus produtos faziam concorrência com os produtos ingleses e franceses. Os alemães se concentraram entre as cidades do Recife e da área industrial de Paulista.
No início do século XX, os alemães residentes no Recife já possuíam empresas economicamente bem estabelecidas, muitos fizeram fortunas como negociantes e tiveram papel de relevo nas artes. Um exemplo significante é o do arquiteto alemão, naturalizado brasileiro, Heinrich Moser, que chegou ao Recife em 1910. Ele veio a convite de sua tia Júlia Doederlein, conhecida como Madame Júlia, trabalhar na reforma arquitetônica de um prédio de sua propriedade: a Casa Alemã, luxuoso comércio situado à Rua Barão da Vitória, atualmente Rua Nova. Moser difundiu no Recife a cultura dos vitrais em prédios públicos. Entre eles, destaca-se o grandioso vitral triplo confeccionado para o Palácio da Justiça. Moser foi pioneiro no Nordeste na produção de vitrais (Lócio, 2018).
Além da presença no comércio, na indústria e nas artes, os germânicos contribuíram para os campos da saúde e da educação. O Abade Beneditino Dom Pedro Roeser foi o principal ativista na criação do Hospital do Centenário, inaugurado em 3 de maio de 1925, local que serviu de base para a institucionalização da enfermagem como profissão no Recife. Dom Pedro Roeser trouxe da Alemanha onze enfermeiras diplomadas, integrantes da Cruz Vermelha Alemã, para atuar na implantação de um serviço de enfermagem considerado, na época, de alto-padrão. Além disso, Roeser atuou na criação da Primeira Escola de Agricultura e Veterinária do Brasil, hoje sob o nome de Universidade Federal Rural de Pernambuco (Abrão et al, 2010).
A emigração portuguesa para o Recife revestiu-se de características peculiares. Foi uma emigração precoce, remonta ao período colonial, que se prolongou até a primeira década de 1960; a partir daí, há redução considerável de seu fluxo. Durante um longo período, os lusitanos foram o maior contingente espontâneo imigrado no Estado de Pernambuco, e o mais significativo contingente estrangeiro entrado no Recife (Ferraz, 2014; Câmara, 2012).
Os portugueses estavam inseridos em todos os ramos da economia recifense e ocupavam serviços diversos, mas foram proeminentes no comércio de fazendas, casas de secos e molhados e outros estabelecimentos varejistas, destacando-se na atividade de caixeiragem no comércio de grosso e pequeno trato. Tal proeminência dos negociantes lusitanos na praça comercial do Recife gerou incômodo entre eles e os negociantes nacionais, provocando conflitos com teor antilusitano. Episódios de lusofobia também ocorreram entre militares que questionavam os desmandos dos oficiais portugueses. Esses episódios marcaram a presença dos portugueses em Pernambuco até os anos de 1930 (Ferraz, 2014; Câmara, 2012).
Paralelo ao movimento antilusitano, a comunidade portuguesa do Recife consolidou sua influência econômica e política na sociedade. As redes de solidariedade foram sedimentadas por intermédio das entidades étnicas que funcionavam como meio de sociabilidade entre os imigrantes, reforço da identidade cultural e social, além de proporcionar caráter associativo ao grupo. Entre elas, destacam-se o Gabinete Português de Leitura de Pernambuco (fundado em 1850), o Clube Almirante Barroso (fundado em 1909) e o Clube Português do Recife (fundado em 1934). Os portugueses exerceram influências na língua, música e arquitetura (Ferraz, 2014; Câmara, 2012), e foram grandes empreendedores (Mendonça, 2010).
Segundo o levantamento sobre o patrimônio de influência portuguesa realizado pela Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa-PT), a cidade do Recife é detentora de um dos maiores patrimônios lusitanos do país. Ao todo são dezenove edificações nas arquiteturas religiosa, militar e habitacional. Recife é a terceira capital brasileira em quantidade de exemplares do urbanismo ultramarino português (Diário de Pernambuco, 06/05/2017).
Antes da grande migração judaica ocorrida no século XVII, “cristãos novos hispano-portugueses” já habitavam em solo pernambucano. Segundo o pesquisador Odmar Braga, entre 1580 e 1595 havia duas sinagogas situadas respectivamente no Alto da Ribeira e no Engenho Camaragibe, propriedades da mesma família (Pascoal, s/d).
No século XVII, judeus, oriundos da Península Ibérica, perseguidos pela inquisição chegaram ao Recife. Portugal investiu na distribuição de terras para garantir a posse territorial. Para adquirir o direito à terra, os judeus tiveram que se converter, tornando-se cristãos novos (Pascoal, s/d).
O grande fluxo migratório ocorreu simultaneamente à dominação holandesa, entre os anos de 1630 e 1654. Neste período, os judeus, chamados de sefarditas, assumiram sua identidade religiosa, uma vez que a Holanda, um país calvinista, defendia matizes religiosas diversas. Sob a proteção do governo de João Maurício de Nassau-Siegen, os judeus formaram uma comunidade próspera. Estima-se que havia entre 1.500 e 5.000 pessoas (Pascoal, s/d; Kaufman, 2000; Lurdermir, 2005).
No período da ocupação holandesa ocorreu a construção da primeira Sinagoga das Américas, Kahal Zur Israel, iniciada em 1638 e concluída em 1641, situada à rua do Bom Jesus, bairro do Recife. Na época, conhecida como rua do Bode – Bokestraet (BRASILIANA FOTOGRÁFICA).
Com a saída do governador Maurício de Nassau, que culminou com a expulsão dos holandeses em 1654, a população judaica evadiu-se, e a rua recebeu a denominação de rua da Cruz. Somente em 1870, ela passou a ser chamada de rua do Bom Jesus. Vale ressaltar que esta rua figurou na reportagem intitulada “31 of the most beautiful streets in the world”, de autoria de Nick Mafi, publicada na revista norte-americana Architectural Digest, 26 de novembro de 2019, como a terceira mais bonita do mundo, única brasileira da lista (BRASILIANA FOTOGRÁFICA).
No início do século XX, outra comunidade judaica se estabeleceu no Recife, escolhendo o bairro da Boa Vista para fixar residência, vizinho aos ingleses ali já residentes. O Recife recebeu judeus de origens russa, ucraniana, romena, eslava, entre outras, que partilhavam o idioma, a culinária, as celebrações religiosas, evidenciando a identidade cultural do grupo (Kaufman, 2000; Lurdermir, 2004, 2005).
Desde o início do século XIX, os imigrantes italianos já circulavam entre a população recifense. Uns migraram junto às companhias líricas, que apresentavam peças teatrais, óperas, recitais de músicas, enfim, diversos tipos de espetáculos; outros como engenheiros, arquitetos e artistas, que contribuíram para remodelação dos espaços urbanos do Recife. A maior parte migrou com pouco capital e, como o passar do tempo, ascendeu financeiramente. No final do século XIX, em função dos diversos melhoramentos como a modernização do Porto do Recife, o crescimento urbano, a expansão das iniciativas privadas no comércio, na indústria e outras demandas, a entrada de imigrantes italianos aumentou consideravelmente (Andrade, 1992).
A colônia italiana contribuiu para o ramo do comércio, sobretudo alfaiataria, sapataria, produtos alimentícios, artefatos decorativos e tinturaria, e substancialmente para o desenvolvimento industrial do estado, alcançando notoriedade na década de 1920. Em 1920, por exemplo, o italiano Giuseppe Francesco Conte fundou a Indústria Metalúrgica Pernambucana, atualmente denominada Alumínio IPAM Indústria e Comércio, que empregou um número razoável de oriundi. Nesse mesmo ano, a fábrica de refrigerantes Fratelli Vita, estabelecida no Recife desde 1913, prosperou e foi transferida para um prédio amplo situado na Praça da Soledade (Andrade, 1992; Albuquerque, 2017).
Dada a importância do seu porto e prosperidade da indústria, em setembro de 1921, foi instaurada no Recife a Câmara Italiana de Comércio para todo o Norte e Nordeste, que tinha como objetivo o intercâmbio de mercadorias, pessoas e ideias. Além de ser responsável pela união da comunidade italiana, especialmente em Pernambuco, sua função era tutelar e promover o desenvolvimento das relações comerciais entre Brasil e Itália.
Os imigrantes italianos no Recife tiveram o privilégio de ter uma agência do Banque Française et Italienne. Ela era presidida por Tommaso Febaro, e contava com a presidência honorária do Cônsul italiano Bruno Zuculin. No Norte-Nordeste do Brasil, o Banque possuía filiais somente no Recife e em Salvador (Andrade, 1992; Albuquerque, 2017).
O historiador Vittorio Cappelli afirma que, “do ponto de vista quantitativo, a presença italiana no Recife é a mais consistente de todo o Nordeste” (CAPPELLI, 2007, p. 21).
A presença espanhola em terras recifenses data dos primórdios da colonização. Ainda pouco se sabe a respeito desta imigração. Em 1920, o Recenseamento registrou que no estado de Pernambuco havia 1.014 espanhóis (IBGE). Martinez (2000, p. 248), em seus estudos sobre a emigração espanhola para o Brasil, apontou que no ano de 1931 residiam no Recife 476 espanhóis, sendo 70% galegos, 5% catalães, 5% andaluzes, 5% castelhanos velhos e 10% de diferentes regiões. Segundo a autora, o Consulado mantinha, nessa época, uma Caja de Ahorros (poupança).
Os imigrantes provenientes do Oriente Médio começaram a chegar ao Recife no início do século XX, vindos da Palestina, Síria e Líbano. As atividades comerciais e a pequena indústria eram suas principais ocupações profissionais. Esses imigrantes fixaram moradia e abriram comércios no bairro de São José, ocupando várias ruas deste bairro. No final da década de 1930, ou início da década de 1940, foi fundado o Esporte Clube do Oriente que, além de ponto de encontro social, formou times de futebol e volibol. Ainda na primeira década de 1940, a comunidade libanesa fundou o Clube Líbano Brasileiro, que durante os primeiros anos de atividades funcionou no bairro de Casa Amarela. Sua nova sede foi inaugurada no final da década de 1950, no bairro do Pina, passando a ser o local de sociabilidade não somente dos sírios e libaneses, mas da comunidade árabe do Recife. O Recife abriga a segunda maior comunidade palestina (e seus descendentes) do Brasil (Hazin, 2016).
Os pioneiros da imigração japonesa no Recife foram Asanobuske Gemba e seu filho Matsuichi, que chegaram em 1918. Eles fixaram residência no bairro do Cordeiro e começaram a cultivar verduras. Na década de 1930, outros japoneses começaram a se radicar no Recife. Hoje o estado de Pernambuco tem a terceira maior comunidade nipônica do país, concentrada no Recife, em Bonito e em Petrolina (Portal Nippo Brasil, s/data).
Os imigrantes chineses começaram a chegar ao Recife no início da década de 1920. Estabeleceram-se no centro da cidade em atividades de lavanderias, mercearias e na fabricação de mosqueiros. Em 1936, a comunidade chinesa era constituída por 103 homens, a maioria solteiro e vivendo em companhia de mulheres brasileiras (Diário de Pernambuco, 12/02/1936). Segundo a reportagem do jornal Diário de Pernambuco (1936), “as mulheres não [deixavam] seu país com facilidade”. A colônia chinesa começou a avolumar-se a partir dos anos de 1970.
Embora em menor escala, imigrantes de outras nacionalidades como suíços, escoceses, gregos, dinamarqueses, russos, belgas também contribuíram para a composição do que hoje pode-se chamar “Recife: uma sociedade plural”.
Referências bibliográficas
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