"Precisa-se de imigrantes", por leonardo monasterio, brasil-economia e governo, 18/07/201727/10/2020 Em 1872, excluindo os nascidos em Portugal e África, havia apenas 120.000 estrangeiros no Brasil. O país tinha 10 milhões de habitantes (entre as quais 16% eram pessoas escravizadas), renda per capita inferior à da Somália de hoje e a expectativa de vida ao nascer não passava dos 28 anos. Do total de brasileiros, apenas 1,5 milhão sabia escrever. Mesmo em 1910, apenas 12% das crianças estavam na escola.
Guiada por motivos racistas e econômicos, a imigração foi promovida e mudou o país. Entre 1872 e 1920, mais de 3,2 milhões de estrangeiros entraram no país. No fim do período, a população brasileira chegou a 30 milhões, dos quais 5,1% eram estrangeiros ou naturalizados. Uma larga parcela de imigrantes era pobre e mal educada, mas fizeram a diferença em um país cuja população se encontrava em situação ainda pior. Essa onda de imigração nas primeiras décadas do século passado foi essencial para o desenvolvimento brasileiro. Os estrangeiros trouxeram conhecimentos diversos e criaram o mercado que impulsionou a industrialização. Diversos estudos mostram que o impacto dessa onda imigratória se mostra ainda hoje na população e na economia brasileiras. Eu calculei que 16% dos trabalhadores formais têm sobrenomes não-ibéricos. Há evidências de que persistem as vantagens de trabalhar em cidades com pessoas de origem diversas. Philipp Ehrl e eu estimamos, em estudo recente- que um aumento de 10% no percentual de trabalhadores brasileiros com ancestralidade não-ibérica (estimada pelo sobrenome) causa um incremento de 2,2% nos salários de todos. Lamentavelmente, o Brasil voltou a ser um país demasiadamente fechado. Hoje, a parcela de estrangeiros no país mal chega a 0,9% da população, valor semelhante ao observado em 1872. Uma parcela irrisória quando comparado com os 13% dos Estados Unidos ou 27% na Austrália de pessoas que nasceram fora desses países. O número de 30 mil refugiados que o Brasil recebe por ano pode assustar alguns, mas também é ínfimo perto dos 3 milhões de brasileirinhos que nascem no mesmo período. A recém-sancionada Lei de Migração deu passos importantes para retirar os entraves mais anacrônicos à vinda de migrantes. É claro que nenhum estrangeiro – por si só – fará o Brasil melhorar seu ensino, reduzir a violência ou ofertar saneamento básico para a população. Porém, é um passo importante para o desenvolvimento de longo prazo. Eu quase posso ouvir o contra-argumento: “Ah, mas dessa vez é diferente! Falta emprego. Antes eles vieram para empreender; agora o imigrante do século XXI é de outro tipo”. Em primeiro lugar, o número de empregos em uma sociedade não é fixo. Obviamente, os imigrantes demandam bens e serviços que geram empregos para os locais. O leitor não precisa acreditar em mim, ou na Teoria Econômica; basta olhar a dinâmica de cidades como Londres, Nova Iorque e Los Angeles. Lá – onde se observa uma centena de nacionalidades – não falta emprego. Além disso, os que querem selecionar os imigrantes se esquecem que todos os grupos étnicos já foram vistos como ameaças. Apesar da justificativa inicial à imigração ter se baseado no “branqueamento” da sociedade brasileira, os imigrantes não portugueses passaram a ser mal vistos e se transformaram em ameaça. Logo depois da revolução de 30, Vargas legislou que as firmas deveriam ter no mínimo de ⅔ de trabalhadores brasileiros. Em seguida, foram criados regimes de cotas por nacionalidade baseados nos históricos de entrada no país. Nessa campanha de nacionalização, os alvos eram os japoneses e os alemães, considerados “quistos étnicos” pela dificuldade de se integrarem à sociedade brasileira. Os italianos eram mais bem vistos, mas – mesmo assim – houve temores por estarem associados a movimentos anarquistas. Muitas dessas restrições persistiram e imigrar para o Brasil seguiu sendo um problema. O Estatuto do Estrangeiro de 1980 o via como uma ameaça e, entre 1988 e 1996, nem mesmo as universidade públicas puderam contratar professores estrangeiros como servidores públicos. Era justamente o período no qual o fim do império soviético fez com que cientistas altamente qualificados buscassem emprego pelo globo afora. O Brasil perdeu grandes chances. Ainda hoje, uma startup tem que esperar pelo seu quinto aniversário para pedir visto para seus administradores no Brasil. 5 anos é tempo demais em setores mais dinâmicos. Outras restrições administrativas fazem com que apenas as firmas maiores, já estabelecidas, consigam cumprir os requisitos para a obtenção de vistos de permanência e possam contratar estrangeiros legalmente. Isso reduz a competição e a inovação na economia brasileira. Faz sentido tratar imigrantes diferentemente de acordo com origem ou religião? Não. Uma característica une os migrantes: mesmo quando pobres, eles são mais empreendedores que seus semelhantes no país de origem. Afinal, só assim para arriscarem a vida em um país estranho. A tarefa de definir qual cor, sotaque ou religião de imigrante seria melhor para o Brasil não só é moralmente errada, como também destinada ao fracasso. No século XIX os britânicos consideraram os japoneses preguiçosos e os alemães, desonestos. Em partes dos EUA, a chegada de irlandeses católicos foi vista como ameaça grave e reprimida com violência. Em suma, todos os povos, em certo momento da sua história, já foram mal vistos. No Brasil, imigrantes africanos, do oriente-médio, caribenhos e sul-americanos, hoje vítimas de preconceito, podem ter papel-chave no desenvolvimento do país nas próximas décadas. Em meados dos anos 1950, um adolescente boliviano, franzino, filho de sapateiro, só com Ensino Médio, chegou no Brasil. Era meu pai. Ele se formou em Medicina e passou toda a sua vida profissional atendendo no Hospital do Câncer do Rio de Janeiro. Milhões de nós temos histórias semelhantes. Quanto mais rápida e mais fácil for a integração dos recém-chegados, mais certo é que relatos como esse continuarão a acontecer. Este texto foi originalmente publicado no Indigo, em 5 de julho de 2017. Texto extraído do site Brasil-Economia e Governo. SINOPSE
Este trabalho estima o efeito da imigração não ibérica para o Brasil, com base em microdados históricos e contemporâneos. A base histórica engloba mais 1,7 milhão de registros de imigrantes; por sua vez, a contemporânea parte de um banco de dados com mais 165 milhões registros administrativos. O cálculo do enumeramento dos imigrantes permite afirmar que Stolz, Baten e Botelho (2013) subestimaram essa habilidade dos estrangeiros e, portanto, seu impacto no Brasil. Um algoritmo de classificação de sobrenomes categorizou a população brasileira contemporânea em grupos ancestrais. Em seguida, constroem-se então duas estimativas contrafatuais do que seria a renda per capita se nunca tivesse havido imigração não ibérica. Um contrafatual decorre da regressão dessa renda pelos percentuais de cada grupo ancestral nos municípios. O outro resulta da regressão de salários individuais sobre a ancestralidade de sobrenome de cada trabalhador. Os coeficientes obtidos em ambas são usados para estimar a renda per capita em um Brasil sem descendentes de imigrantes. Nesse caso, estimou-se que a renda per capita brasileira seria entre 12,6% e 17% menor que a hoje observada. Palavras-chave: imigração; capital humano; enumeramento. Texto para Discussão 2435, Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília, novembro de 2018. RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar, relacionar e comparar o papel dos imigrantes europeus no desenvolvimento econômico e nas mudanças nas sociedades ocorridas no Brasil e na Argentina no período de 1870 a 1930. Durante o referido período houve a inserção de ambos os países no comércio internacional, levando à expansão de suas economias agroexportadoras marcadas, no Brasil pela produção cafeeira no sudeste do país e em especial no estado de São Paulo e na Argentina, pelos cereais e produção pecuária na região de Buenos Aires. Ao mesmo tempo, produziu-se o desenvolvimento industrial e a modernização de suas infraestruturas. Os dois países estavam caracterizados pela grande disponibilidade de terras, escassez populacional e demanda crescente por mão-de-obra para sustentar a economia agroexportadora. As políticas empreendidas para resolverem esses problemas levaram à entrada massiva de imigrantes nos países. A literatura para o período destaca a importância desses imigrantes na formação e consolidação das indústrias nacionais, atuando como trabalhadores ou como empresários, bem como sua influencia nas transformações da sociedade à época. Palavras-chave: Imigrantes; Industrialização; Economia; Brasil; Argentina. Anais do 37º Encontro Anual da ANPOCS, de 23 a 27 de setembro de 2013, Águas de Lindóia (SP). RESUMO
O estudo analisa aspectos da imigração brasileira na Itália, processos de retorno, de reemigração e de desenvolvimento. A questão central do artigo gira em torno das remessas financeiras e seus investimentos nos locais de origem dos fluxos; constatou-se que elas não são promotoras de processos sustentáveis de desenvolvimento econômico, e, sim, produzem bem-estar social e econômico para as famílias que as recebem, produzindo, inclusive, profundas diferenciações entre as que estão envolvidas e as que não estão acabando por ser promotoras de novos fluxos de saída. Pesquisou-se em alguns municípios do Sul do Brasil onde há maior fluxo de saída de emigrantes brasileiros para a Itália e Áustria, bem como em algumas províncias da Itália onde há maior presença de imigrantes brasileiros. Viu-se que não há processos de mediação, de assessorias, de crédito, de conhecimento mais elaborado nos locais de origem para utilizar esse recurso financeiro na promoção do desenvolvimento local/regional. Com isso, a intenção dos países receptores de imigrantes em tentar viabilizar, via remessas, a redução da emigração, acaba produzindo um efeito contrário. Palavras-chave: imigração, remessas financeiras, desenvolvimento. Ciências Sociais UNISINOS, São Leopoldo (RS), vol. 54, n. 3, p. 282-293, set/dez 2018. RESUMO
Este artigo pretende contribuir para o debate sobre o tema da migração, com ênfase nos seus determinantes e impactos no Sul global. Após apresentar as principais correntes teóricas e os argumentos a favor e contra a migração, sob a perspectiva do desenvolvimento global, apresenta-se uma proposta de sistematização desta agenda de pesquisa em torno de quatro dimensões analíticas: agência, instituições, financiamento e conhecimento. O trabalho conclui apontando uma série de desafios a serem enfrentados pelo Brasil na busca pelo aperfeiçoamento de suas políticas públicas voltadas aos imigrantes. Palavras-chave: migração internacional; desenvolvimento global; Sul global. Boletim de Economia e Política Internacional, BEPI, n. 19, Jan./Abr. 2015. RESUMO
O Brasil é um país com uma longa tradição imigratória, porém a emigração internacional é um fenômeno recente. A inversão migratória começou na década de 1980, quando a saída de brasileiros para o exterior evoluiu de maneira considerável. Esse processo foi continuado nas décadas seguintes, convertendo um típico país de imigração numa nação de emigração. Assim, surgiu a diáspora brasileira, estimada atualmente em 3,7 milhões de pessoas. A diáspora constitui um grande desafio para o país, especialmente em relação às consequências econômicas da emigração, visto que esses movimentos deverão ainda se intensificar. O presente trabalho tem como principal objetivo descrever as vinculações entre a emigração e desenvolvimento econômico de país de origem. Ao apresentar teorias de migração internacional, procede-se a uma análise dos estudos que analisam as consequências econômicas da emigração. A apresentação dessa contribuição teorética e empírica na área da economia de migração é necessária na compreensão do problema brasileiro. O autor formula uma hipótese de que no atual quadro emigratório a economia brasileira deve se beneficiar dos movimentos internacionais. Palavras-chave: Emigração e desenvolvimento econômico, Desenvolvimento econômico do Brasil. Estudos Avançados, vol. 26, n. 75, São Paulo, May/Aug., 2012, p. 137-156. "O mundo está num momento em que mais do que nunca precisamos refletir sobre o tema imigração para, com isso, projetar políticas imigratórias mais humanas para o Brasil. Com a globalização e a porosidade das fronteiras nacionais, o Brasil acabou recebendo um crescente número de estrangeiros que vem ao país por razões bem variadas, desde o turismo, residência, refúgio, exílio, causas naturais e outras. Governos que almejam dar ao país um papel protagonista na política regional e mundial devem receber mais pessoas de fora e de forma condizente, criando políticas públicas para este grupo se adaptar ao estilo brasileiro e terem condições satisfatórias de vida. Poucos estudos foram realizados de maneira sistemática sobre o impacto que estas recentes correntes imigratórias tiveram no Brasil." Aos imigrantes não resta alternativa senão lutar para que o país respeite seu direito ao multiculturalismo.
A EMIGRAÇÃO dos povos pobres para os países ricos é hoje fenômeno social global que mostra o caráter inescapável do nacionalismo. O mundo seria mais belo se fosse uma grande comunidade e não existissem nações, mas isso só acontecerá quando as desigualdades diminuírem a ponto de se estabelecer um Estado mundial. Enquanto isso não ocorrer, o nacionalismo estará entre nós e tanto poderá significar a legitimação do poder dos povos mais poderosos sobre os demais (imperialismo) quanto a ideologia necessária para que os povos mais fracos se defendam. Tanto poderá ser um nacionalismo étnico e agressivo quanto um patriotismo defensivo. O nacionalismo é a ideologia de formação do Estado-Nação. Alguém é nacionalista se preenche duas condições: primeiro, se entende que é obrigação do governo de seu país defender os interesses dos seus habitantes e, segundo, se considera que, ao tomar decisões, esse governo deve pensar por conta própria em vez de se submeter aos conselhos e pressões dos países mais ricos. Assim definido, o nacionalismo é econômico e pode ser apenas defensivo. Já o nacionalismo econômico agressivo caracteriza os países ricos que exploram os mais fracos, mas seus cidadãos acreditam que os estão ajudando ou bem orientando. Quanto ao nacionalismo étnico, é o nacionalismo perverso das pessoas e povos que discriminam de acordo com o critério da raça, da religião ou da origem nacional. É o nacionalismo que afirma que cada conjunto étnico homogêneo deve ter seu próprio Estado-Nação; é o nacionalismo que, ao rejeitar a imigração, se confunde com o nacionalismo econômico. O nacionalismo econômico é inevitável porque o mundo e cada indivíduo estão organizados em famílias, organizações e países que competem e colaboram entre si. Dificilmente será reeleito um governo de um país rico se não tomar decisões de acordo com os interesses nacionais. Nesses países, o nacionalismo hoje é econômico e étnico. Poucos são os cidadãos que têm dúvida de qual seja o papel de seu governo, poucos são os que reconhecem a exploração dos países mais fracos, e muitos são aqueles que discriminam e rejeitam os imigrantes. Todos defendem seus salários que sofrem concorrência do trabalho barato dos imigrantes, e felizmente um número muito menor defende sua "pureza étnica". Na Europa e no Japão, existe um verdadeiro cerco contra os imigrantes. Nos EUA, o quadro é apenas um pouco melhor. Na Itália, uma nova lei acaba de classificar a situação de imigrante clandestino como crime. Os imigrantes ficam sujeitos não apenas a serem extraditados mas, adicionalmente, a cumprir pena por terem imigrado. Existem naturalmente aqueles que não estão de acordo com essa discriminação, como mostra um belo filme francês em exibição em São Paulo, "Bem-Vindo". Na Europa, os partidos de esquerda resistem a essa discriminação, mas essa é talvez a principal razão por que têm tido maus resultados eleitorais. Em certos casos, a única defesa contra o nacionalismo dos outros é o nosso nacionalismo, é nos organizarmos como Estado-Nação. Mas essa alternativa não existe para os imigrantes. Não lhes resta alternativa senão, de um lado, se integrarem nas sociedades para onde emigram e, de outro, lutar para que o país respeite seu direito ao multiculturalismo. Ambos são processos sociais e políticos difíceis, plenos de contradições. Enquanto não se completarem, haverá muito sofrimento dos imigrantes e muita tensão social nos países ricos. LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994". Texto extraído do jornal Folha de São Paulo - Mercado - 27 de julho de 2009. RESUMO
Muitos países no continente americano se autodenominam “nações de imigrantes”. Nos EUA, o mito da “terra prometida” sugere que estrangeiros prosperam ao chegar ali porque a nação é intrinsicamente extraordinária. No Brasil, contudo, a relação entre imigração e identidade nacional é outra. Intelectuais, políticos, além de líderes culturais e econômicos viam (e veem) os imigrantes como agentes de melhoria de uma nação imperfeita marcada por anos de colonialismo português e escravidão africana. Como resultado, os imigrantes muitas vezes eram considerados salvadores por trazer mudanças e melhorias para o Brasil, e não por ter melhorado graças ao Brasil. Essas “melhorias” ocorreram com a absorção, a miscigenação e o uso de categorias raciais e étnicas cada vez mais flexíveis. Palavras-chave: identidade nacional; imigrantes; etnicidade; transnacional; diáspora. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 21, n. 1, Rio de Janeiro, Jan./Mar. 2014. |
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